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* Vou ficar devendo a bibliografia, que já está arrumadinha, mas não estou encontrando agora... Sim, essa compilação faz parte de meus estudos. Poeta Xandu é cabeça, colega!
Martha Abreu em Festas religiosas no Rio de Janeiro (in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 14, 1994, p. 183-203), discute a importância dos “batuques de pretos” e a decadência da festa religiosa mais popular da cidade do Rio de Janeiro durante a segunda metade do século XIX: a festa do Divino Espírito Santo. Neste estudo, Abreu destaca como as irmandades leigas tornaram-se maiores representantes de uma identidade popular. Nessas irmandades resguardou-se antigos costumes brasileiros, do chamado “catolicismo barroco”.
Primeiro, seria importante entrar para uma irmandade, pois seria um grupo legalizado e de ajuda mútua: estar menos desemparado! Era previdência, assistência social e chance de ganhar alforria. Não imaginem um mar de bondade: negros compravam escravos, brigavam com negros, delatavam uns aos outros. No Brasil colonial, as irmandades dos brancos eram superiores, mandavam em irmandades de pretos e de pardos - que obedeciam. Diversos em suas nações, os africanos não confiavam em nações diferentes, sendo os Angolas os mais fortes, os manguins e malês os mais "orgulhosos". Cada irmandade construiu suas igrejas com recursos próprios, sem o auxílio da corte - assim fica menos complicado entender o resto do texto.
Rezar era uma obrigação de bom cristão. Além das missas com músicas mundanas, sermões, Te-Deum, novenas e procissões, as festas católicas deixavam-se envolver por danças, coretos, fogos de artifício e barracas de comidas e bebidas. A população negra, presente nas festas tradicionalmente, propiciavam um clima de músicas, cantorias, batuques e danças. Apesar de popular, a prática católica seria abalada pelas transformações sociais ao longo do século XIX.
Parte das elites políticas era contrária a influência da Igreja, um obscurantismo, um atraso. Autoridades policiais, federais e municipais, voltaram-se contra as festas de rua, suspeitas de ilegalidades e maus costumes, tais como jogos e vagabundagem. Por fim, os médicos passaram a considerar as festas religiosas algo baixo-nível, vulgar e ameaça à saúde pública - a “família higiênica” (Costa, 1979:133).
O clero, na figura dos bispos e alta hieraquia religiosa, tratou de dar fim aos privilégios brasileiros: era comum os padres terem famílias, esposas e concumbinas. Logo chegou a vez de observar os fiéis: católicos brasileiros com suas misturas religiosas, suas festas "esquisaitas", prática religiosa pouco romana para os padrões da hierarquia. No início do século XIX, as principais comemorações religiosas eram procissões: do padroeiro São Sebastião, Cinzas, Semana Santa (Passos, Endoenças, Enterro) e Corpo de Deus; as festas em homenagem aos Santos Reis, Santana, São Jorge, Santo Antônio, São João e, a maior delas, a do Divino Espírito Santo.
Em todas as procissões e missas havia um clima solene, clima de sagrado. No entanto, logo que terminava o sagrado, começavam as festas populares: coroações dos reis do Congo, realizadas pela igreja Nossa Senhora do Rosário, ou os cucumbis, as danças consagradas aos funerais dos nobres africanos (Coaracy, 1965:157- 217, 313-349; Moraes Filho, 1979; Karash, 1987:214-302).
A história da Congada vem do início do século XVI, interpretada como uma luta entre o Bem e o Mal: cristãos e mouros. Nas lutas, o povo se dividia entre as embaixadas , formando exércitos teatrais, e nos cantos de desafio: os cristãos sempre vencem os mouros. Estes seriam os árabes que dominaram Portugal e Espanha, por fim batizados e conduzidos ao louvor a São Benedito, santo negro que agia como europeu. Portugal conheceu o reino do Congo, na África, africanos que foram orientados para encenar teatros, fazer festas, enfim - um folguedo colonial. A coroação de um rei Congo, escravo eleito para ser "rei africano", foi praticada na confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Lisboa, por volta de 1533. Já havia o escravismo em Portugal desde os 1400.
Nestes eventos sempre existiu uma dupla perspectiva: a do colonizador e a dos colonos (forros ou escravos). O discurso articulador da Congada reconstrói um universo simbólico atribuído à África, no caráter lúdico da encenação, com música, dança e drama, temas de fatos históricos e religiosos não-cristãos. A cada grupo uma forma de expressão, particular. Até o nome muda: Congados, Congos ou Cucumbys, este último nome derivado de uma comida ritual.
Ocorre tradicionalmente em 26 de dezembro - festa consagrada ao nascimento de Jesus e a importância dos 3 Reis Magos: um preto, um árabe e um europeu. Na festa de todas as raças, as Igrejas de Nossa Senhora do Rosário e a de São Benedito eram as maiores festeiras. Terminada a representação, os foliões e convidados serviam-se em mesa farta, com doces e salgados, finalizavam em festas nas ruas, praças públicas, visitavam residências importantes.
Elementos de encenação: trono, Fidalgos, Rainha de Angola, luta entre Fidalgos do Congo e os de Angola, também chamados Bambas. No desfile final há danças e cantos de confraternização e homenagem a São Benedito. Pesquisa: Márcia Scholz de Andrade Kersten - Universidade Federal do Paraná.
Marta Abreu cita a brasilianista Mary Karash, para sublinhar os anos após 1820, quando a polícia reprimiu com maior vigor o "batuque" e passou a proibir as procissões e festas organizadas pelas irmandades. Passaram a ser “ameaças à ordem pública” (Karash, 1989: 243). A legislação municipal de costumes, pesquisada pela autora, o Código de Posturas nos anos 1830, revela preocupações com os “ajuntamentos de pessoas com tocatas, danças ou vozerias” em locais públicos e com os “batuques”, em locais particulares.
Formou-se um tempo de muitas revoltas. Muitos foram os levantes baianos, cujo grande destaque foi a revolta dos Malês. Os “batuques” na cidade do Rio de Janeiro não mais foram vistos como inocentes. Ofícios do Ministério da Justiça ao Chefe de Polícia da cidade do Rio de Janeiro solicitavam a investigação de “alguns pretos” por “exercer autoridade religiosa” e “as irmandades” para “descobrir alguma tendência sediciosa”, revelam o endurecimento com as tradições populares neste período.
Através dos compromissos reformados, consultados na pesquisa, somente após 1850, as condições para a entrada de irmãos nas festas religiosas passaram a ser menos exclusivistas e mais flexíveis. Recomendavam, ora parecer “bom católico”; ora exigia apenas o pagamento da entrada, ou as anuidades, ou, simplesmente, a condição de livre.
As fontes consultadas são o jornal católico O Apóstolo, entre 1866-1901, período de existência do jornal, o jornal Diário do Rio de Janeiro, as licenças para festas requeridas pelas irmandades à Câmara dos Vereadores entre 1830 e 1910 (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro) e memorialistas conhecidos.
Nos anos 1860, os batuques localizados na freguesia de Sant’Ana, a mais populosa da cidade de acordo com o censo de 1872, possivelmente repercutiam por toda a circunvizinhança. O Campo de Sant’Ana, tornado centro urbano durante o regime imperial, era onde se realizavam as festas oficiais e se situavam vários prédios públicos construídos ao longo do século XIX, como o Quartel (1818), o Museu Nacional (1818), a Câmara (1824), o Senado (1826), a Estrada de Ferro (1856), a Casa da Moeda (1859), o Corpo de Bombeiros (1864) e a Escola Normal (1880) (Santos, 1965; Coaracy, 1965, Cruls, 1965).
Mais precisamente, a tradição dos batuques se estabelecera no Campo de Sant’Ana, depois foram transferidos para uma pequena distância da igreja de Sant’Ana e do largo do Rocio Pequeno. Local conhecido algum tempo depois como praça Onze, foi celebrizado como berço das escolas de samba cariocas.
Apesar de o Código Municipal de Posturas revelar-se como grande limitador das festividades populares, Abreu traz à tona um diálogo de 1866 entre um fiscal da prefeitura, obviamente ciente do Código, e autoridades da Câmara Municipal, das quais aguarda deliberação sobre qual devia ser o seu comportamento diante dos recorrentes batuques no Campo de Sant’Ana. Os batuques, por fim, eram autorizados pelo subdelegado de polícia do 1° distrito da freguesia de Sant’Ana.
Sua análise sobre este diálogo, entre o fiscal e a Câmara, revelou que as penas eram temperadas com a proteção de autoridades, ou, ainda, a complacência dos vizinhos, o que denota o grau de popularidade das folganças negras na cidade. Para conseguirem realizar seus “batuques”, a cadeia de acordos pessoais não deixa dúvidas: era preciso um estabelecimento, em que o proprietário da casa permitisse, a vizinhança concordasse e alguma autoridade supervisionasse.
Por outro lado, sempre havia algum risco de se atuar de forma repressora, dada a importância atribuída ao registro do episódio. De toda forma, os batuques tinham condições de serem vistos como “divertimentos inocentes”, e muitas autoridades da Câmara não viam inconvenientes de ordem moral para aceitá-los. Do passado surgiam indícios de suspeição, que tornavam a frequentar o imaginário de fiscais e autoridades, como os levantes Malês na Bahia, de onde vieram muitos prisioneiros.
Abreu, a fim de ilustrar, discorre sobre o clima à época, retratando-se a uma carta enviada ao presidente da Câmara da cidade do Rio de Janeiro pelo chefe de polícia, Euzébio de Queirós, pedindo uma resolução de postura. A pedido do juiz de paz da freguesia de Santo Antônio da (aldeia de) Jacutinga, em junho de 1833, devia-se avaliar a postura que proibia o “uso do tambor na dança dos escravos denominada candomblé, o qual deixando-se ouvir de uma légua de distância atrai os escravos das fazendas circunvizinhas; podendo de tais reuniões originarem-se males...” (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice 6-1-25). Certamente, uma medida de prevenção arbitrária em relação aos batuques, folganças e religiosidades da comunidade negra, típicos da época.
Arthur Ramos na obra O folclore negro do Brasil, em 1935, refere-se ao batuque como uma dança de caráter geral. Entre as características analisas consta a formação em círculo, cantos, sapateados em ritmo marcado com palmas, instrumentos de percussão. Como já foi descrito antes, nessas evoluções eram comuns as umbigadas, que Ramos ressalta serem uma alusão aos movimentos pélvicos das danças plenas de “semba”, de Angola, onde provavelmente se originou o termo samba, hoje popularizado. Ainda, “os batuques prolongavam-se dia e noite, desde que circulasse a pinga (ou cachaça) e os ânimos se mantivessem exaltados” (Ramos, s/d:118-147).
Nas declarações do fiscal, a autora identifica os batuques como intimamente relacionados a religiosidade. Certa permeabilidade de significados nos remete as tradições africanas do Kuluntu, ditadas pela lei do mais velho, nas quais as chamadas cocumbinas devia evoluir num rito de fertilidade, a fim de influir na escolha, uma opção dada a um nobre africano. Certamente, o rito do kuluntu, o lundu ou calundu, a modinha, o semba e o samba entrelaçavam-se em alguma nível significativo de religiosidade.
Ocorriam desde junho, época de importante ciclo de festas católicas no Rio de Janeiro, que começava com as comemorações do Divino Espírito Santo, extendia-se pelo Santo Antônio, São João e São Pedro, e chegava ao fim com as festas para Sant’Ana. Neste último momento os “batuques” se tornavam mais intensos, segundo Abreu. Assim, aspectos de sagrado e profano permeiam-se na noção de batuque negro, e não pode ser destacado de um espaço/tempo próprio da religiosidade, como cristianismo à brasileira.
Ao longo do século XIX, a irmandade requisitava a autorização da Câmara para realizar as comemorações do dia de Pentecostes, dedicado ao Espírito Santo, até o dia de Sant’Ana, em 26 de julho. A diversas irmandades pela cidade prestavam homenagens ao Divino Espírito Santo, mas as festas realizavam-se em pelo menos três locais: no largo do Estácio, no largo da Lapa e no Campo de Sant’Ana, mais popular.
A variedade musical era ampla, e incluia a música dos trios de barbeiros, portanto, cancioneiro de prestadores de serviços, trabalhores ambulantes, que ensaiavam dobrados, quadrilhas e fandangos, considerados precursores da tradição do samba-choro, depois popularizada, como chorinho (Fazenda, 1920; Coaracy, 1965; Almeida, s/d). A diversidade também era encontrada na forma ritual, que além das novenas, missas solenes e Te-Deum, armava-se o Império, “um pavilhão com uma capelinha ao fundo e terraço na frente, onde, em seu trono, o Imperador do Divino recebia as homenagens dos seus “súditos”. No Campo de Sant’Ana e na Lapa o “Império” chegou a receber uma construção definitiva de pedra e cal. Outros santos de grande atração foram São Jorge, Santo Antônio de Pádua e São Benedito (Karash, 1987: 282), para os quais eram realizadas outras festas.
Como um pressuposto econômico popular, as festas desdobravam em muitas atividades. Havia coretos de música, feira livre, barracas de sorte, comidas e bebidas, jogos. Em tabuleiros, vendia-se cuscuz e cocadas, angu ou mocotó. A narrativa da autora exige ainda mais um registro de Coaracy - “a presença das congadas, lutas de mouros e cristãos, de vez em quando a visita de autoridades, ou a chegada dos cortejo da Lampadosa, que, cantando suas músicas, vinham homenagear o Divino. Tudo terminava sempre com muitos fogos de artifício (Coaracy, 1965: 167)”. Deste modo, a idéia de festa religiosa no Brasil ganha os contornos similares àqueles das feiras da época medieval européia, com artistas saltimbancos.
Mello Moraes Filho, considerado por Marta Abreu como “o maior cronista da festa”, descreve as atrações das barracas em meados do século XIX. São leilões, cenas acrobáticas, cosmoramas, mágicas, aberrações animais, equilibristas. Em verdade, a confecção narrativa descreve o espaço da festa do Divino como um circo de atrações, que contém o próprio circo. Ainda segundo Mello, a maior das barracas era a do Teles, a famosa “Três Cidras do Amor”. Ali apresentavam-se os teatrinhos de bonecos, comédias, cantorias de duetos, seguindo uma descrição que remete-se a tradição de arte dramática na cidade, a qual foi apenas esboçada no registro das irmandades por ofício.
O teatro do Teles era iluminado à velas e/ou azeite, pagava-se uma importância na entrada, com direito a uma rifa. O próprio Teles surge com versátil dote artístico, inclusive, apresentava-se fazendo mágicas, ou representado comédias de Artur Azevedo. Este importante dramaturgo, não por acaso, relata em O Mambembe a decadência desta época gloriosa de festejos populares. O espetáculo de bonecos, gênero que tinha enorme popularidade, ou as aplaudidas peças de atores vivos, como a Roda de fiar e a Criação do mundo, enchiam a imaginação com a comédia de costumes, palavras com sentido dúbio e cheias de sensualidade, a meio caminho do teatro de revista.
Por fim, este extasiante passeio pelo imagético da época guiado por Marta Abreu nos conduz ao encerramento dos espetáculos: “acabavam com requebros de chula, cateretê e umbigadas, ao ferver de um batuque rasgado e licencioso”. Esse espetáculo remetemos ao passado, quando da organização da Mesa de Comércio do Rio de Janeiro, com a eleição do Divino Espírito Santo como padroeiro. Uma organização em que traficantes de escravos compunham como maioria.
O jornal O Apóstolo, que circulou na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1866 e 1901, foi meio de comunicação oficial do bispado, fonte amplamente analisada por Abreu. Curiosamente, o jornal cumpriu múltiplas tarefas no ordenamento da sociedade, por vezes, medidas antagônicas. Um retrato de que a grande variedade de hierarquias, como já esclarecido pelo historiador Graham, concorriam entre si, e a função de dominação era um desafio para todas as correntes. Em meio ao caos ideológico, não chega a ser difícil prever qual é o lado mais fraco da corda.
Uma ação mais intolerante, propriamente em termos religiosos, foi proposta pela Igreja. Na segunda metade do século XIX dá-se o início a reforma da prática católica, em sentido de maior aproximação com Roma e pela moralização do clero (Gomes, 1991; Azzi, 1977). Visava, primeiramente, diminuir o poder dos leigos das irmandades, contra os quais dirigia severas críticas. Em geral, apontavam a presença de maçons nas irmandades, a ausência do perfeito sentimento católico, ainda, alegavam a não-obediência às ordens do Papa. No entanto, a partir de 1873, há o acirramento do conflito entre a autoridade dos bispos brasileiros, a maçonaria e o governo imperial.
Assim, irmandades católicas, supostamente infiltradas de maçons, também eram acusadas de organizarem cultos para a ostentação. Estariam estas mais preocupadas com o mundo temporal, bens, imóveis, cargos, que com o mundo espiritual, caridade e santificação dos fiéis. As festas organizadas pelas irmandades, por sua vez, serviram de prova da participação em um movimento profano, que incitava em suas festas cenas teatrais sensuais, distantes da religião.
Contudo, até mesmo estas acusações eram incompletas. Os limitados recursos e a dependência do Estado, que autorizava e protegia as irmandades, também contribuiam. Paralelamente, o catolicismo estava sendo duramente atacado pelos liberais, maçons, anticlericais e protestantes, através da imprensa e no próprio Congresso Nacional. Eram responsabilizados pelas dificuldades de modernização do país e, ainda, acusados por atrair apenas a população ignorante e analfabeta. Na luta contra essas forças, tais movimentos internacionais passaram a ser considerados inimigos da religião e da Igreja. Mesmo com as críticas à prática leiga, era preciso reforçar o catolicismo como um todo, aprofundando-se na contradição.
De acordo com Marta Abreu, a partir de então, foi possível localizar no jornal O Apóstolo um espaço de tolerância, não para com as irmandades autônomas, mas para com as práticas religiosas populares e afro-brasileiras. Na luta contra o materialismo, a liberdade de culto, a ruptura entre casamento e registro civil, acabava-se valorizando a tradição popular católica. A própria nacionalidade brasileira passou a ser, então, erguida em oposição a tudo que era importado. Mesmo que se combatesse os jogos e as bebidas, procurava-se deixar claro que não se queria “arrefecer o entusiasmo do povo”, que concorria em grande número às festas.
“Precisavam fazer frente ao avanço do “racionalismo” do século e, ao mesmo tempo, através da popularidade das procissões, responder às críticas dos que consideravam essas práticas um atraso para a civilização do país.” Ou seja, os “bons” católicos, das classes remediadas, foram obrigados a defender o catolicismo popular, alegando que “os cultos aos Santos eram benéficos para o povo” e para o próprio governo, pondo em evidência, ao mesmo tempo, a força do culto católico e a harmonia social do país.
Afirmava-se a existência de uma nacionalidade católica extendida aos brasileiros, inclusive os escravos, numa só religião, costumes e língua. Desta posição, inclusive, emerge, principalmente nos anos 1880, um combate radical contra a imigração estrangeira e, até mesmo, uma defesa da educação dos “ingênuos e libertos”. Neste contexto, os libertos passaram a ser vistos como aliados na defesa do catolicismo, o que, em outro sentido, tornou-se um imperativo, mesmo depois da Abolição, incorporar os libertos como “nacionais”, rompendo com as teses, que pairavam sobre negros, de serem degenerados ou incapazes de assimilar a civilização pela educação.
A festa popular imaginada civilizada, sem tumultos, somente poderia existir na reconstrução imaginária das festas passadas, nas quais o caráter desordeiro perderia-se na memória. A alegria de participar de festas, romantizada por escritores, jornalistas e políticos, transferiu-se para os clubes, aspecto da elitização da folia, conforme resenha de Marcus Bretas, professor de História na UFRJ, sobre outra obra de Marta Abreu, O Império do Divino – Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro (1830-1900), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2000; em publicação no Jornal do Brasil, 29/07/2000.
A elite sonhava com os carnavais de Viena, Paris ou Nice, e as grandes sociedades surgiram com este fim. Desfiles concorridos dos clubes sociais, como Democráticos, Fenianos e Tenentes do Diabo, eram prestigiados pela intelligentsia da capital e contavam com admiração de José de Alencar, Olavo Bilac, Manuel Antônio de Almeida, Arthur de Azevedo. João do Rio, jornalista considerado um observador do tipos urbanos, chegou a mostrar simpatia pelos cordões carnavalescos, que seria o oposto do ideal da elite, do qual partilhava. Associados ao passado colonial, cordões de zé-pereiras, velhos e diabinhos, eram temidos por incorporarem, muitas vezes, membros das maltas de capoeiras, os quais defendiam seus estandartes, muitas vezes terminando em brigas entre rivais.
Os anos após a independência do Brasil, e a volta da família real para Portugal, foram violentos e a vontade de civilizar o Brasil surtiu o efeito inverso: enterrou-se progressivamente o Brasil que civilizava a Europa com um "show de misturas". Num último suspiro, alguns grupos tentam ganhar a categoria de "show para turistas". Apesar de ser um movimento cultural cada vez mais "vazio" de significados, é adotado em partes reluzentes por jovens universitários - que leram, estudaram e dedicaram suas vidas a reprodução coreográfica da cultura popular. Como coleção de museu, a cultura brasileira que entra em extinção, entra também nas diretrizes de patrimônio histórico imaterial.
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